Por Jefferson Rozeno
Lançada em março do ano ado, a série documental “Time: The Kalief Browder Story” tem chamado a atenção nas últimas semanas na imprensa internacional. O caso retratado na obra já é um velho conhecido do público americano e sempre volta à tona quando outros casos acontecem.
Produzida pelo rapper e empresário Jay-Z e roteirizada pelo ator e escritor Nick Sandow, conhecido por sua atuação e direção na série original de comédia “Orange is the new black” da rede de streams Netflix, a obra expõe e denuncia um sistema prisional racista, quebrado e injusto.
Dividida em 6 episódios, a série conta o drama vivido pelo estudante Kalief Browder e sua família, o caso de um jovem negro e periférico de 16 anos acusado e preso injustamente por supostamente “tentar” roubar uma mochila. Perando por temáticas como injustiça, transtornos mentais e afetivos, violência policial, corrupção, falhas do sistema prisional e sobretudo o racismo, a cada episódio a história mostra o caso de forma explícita, dolorosa e sentimental, tendo como premissa o tempo presente, ado e futuro.
Após sua prisão, claramente e comprovadamente injusta, o jovem não via outra alternativa a não ser provar a todo custo sua inocência, entre adiamentos e negligência dos sistemas de justiça, Kalief foi torturado, perseguido e prejudicado. As cenas são difíceis de assistir, são registros reais e fotos de algumas das situações vividas pelo jovem, por vezes provocam repulsa, incômodo, medo, insegurança e não são apropriadas para pessoas que possuem históricos de depressão. Mas, em contrapartida, mostram com respeito e sensibilidade a realidade vivida por muitas pessoas, sobretudo negras, periféricas e excluídas de privilégios sociais.
Não é a primeira vez que o rapper se posiciona a respeito da temática. Além de suas músicas de teor crítico em 2015, Jay-Z e Beyoncé (sua esposa), pagaram fianças de ativistas presos em manifestações por questões raciais nos EUA. Na canção “Guilty Until Proven Innocent”, o cantor critica duramente a estrutura prisional do país também.
O sistema é corrupto e apresenta injustiças: na avaliação de fiança, que pune as pessoas mais pobres e beneficia os mais ricos, no uso de força bruta e tortura e até mesmo no racismo e na desigualdade social, que podem se manifestar de infinitas formas (estudos mostram que pessoas negras são condenadas por maior tempo mesmo cometendo os mesmos crimes que pessoas brancas, por exemplo).
É possível fazer um paralelo com o Brasil, que também possui um déficit muito grande no sistema carcerário, que hoje promove o encarceramento em massa de pessoas negras, processos demorados e falta de assistência em seus julgamentos, além de casos pontuais de prisões injustas.
Como é o caso da modelo Bárbara Quirino, condenada a 5 anos e 4 meses de prisão pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por suposta participação em um assalto em setembro do ano ado na capital. A principal testemunha diz ter reconhecido Bárbara por seu cabelo tipicamente crespo.

O irmão e as amigas de Babiy, como é conhecida e chamada por todos, confirmaram o testemunho que a jovem prestou. Nele, ela informou que na data do crime estava fora da cidade trabalhando como modelo em um evento e apresentou como prova o celular com fotos, publicações na internet e outras informações. De acordo com parentes e amigos, o aparelho foi formatado pela polícia, além disso, ela foi reconhecida pela contratante e outras pessoas presentes no evento, mas estas informações não foram levadas em consideração. A jovem segue privada de sua liberdade e, enquanto isso, seus advogados e sua família tentam provar sua inocência, que tem recebido apoio nas redes sociais
Voltando ao caso de Kalief Browder, depois de inocentado e liberto, o jovem retomou os estudos e entrou na universidade, mas o medo e as memórias do aprisionamento indevido, violência e tortura, foram o suficiente para que ele desenvolvesse diagnósticos de psicose e depressão, o que provocou sua morte.
Time: The Kalief Browder Story é uma série para chocar, emocionar e expor a realidade vivida por muitos outros Kaliefs, jovens negros, periféricos e vítimas de um sistema desigual e injusto em todo o mundo. Hoje, poucos anos depois, Kalief Browder é um exemplo de luta, resistência, fragilidade e dor.